quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Crônica de Natal

Aquele natal se avizinhava diferente... Sentia isso no ar... Não conseguia explicar... Saiu de casa tomado de uma estranha sensação...Esperança?... Não sabia... Quando percebeu, estava escolhendo uma árvore... E um montão desses adereços com que se enfeita uma árvore de natal...lembrou-se da infância... O avô, festeiro como ninguém, preparando a árvore... Ficava maravilhado com as bolas coloridas... Mas do que mais gostava, mesmo, era do último enfeite... Quando estava tudo pronto, o avô abria uma caixinha comprida e retirava com cuidado uma peça multicolorida... Era um bico, com uma estrela na base... Colocava, então, na ponta da árvore... Só depois disso, ligava as luzes, presas a pequenos candelabros transparentes, cheios de um líquido colorido...Águas verdes, azuis, encarnadas e mil outras cores que nunca soubera decifrar... E, após alguns minutos, aquilo ebulia...Pequenas bolhas subiam até a superfície, dentro de cada candelabro...E a árvore adquiria vida... Pulsava... Esses eram os seus natais...  Há muito não se lembrava deles...
Retornou ao pequeno apartamento de quarto-sala-cozinha-banheiro, já quase-noite... Iniciou um ritual a que não estava afeito, há vários anos...Retirou da sacola o pequeno pernil temperado... Colocou com cuidado, na forma de aluminio... Abriu uma lata de cerveja e despejou todo o seu conteúdo sobre a carne... Levou a pequena forma ao forno e o ligou... Colocou a toalha branca sobre a mesa... Pegou pratos  e talheres para três pessoas... Montou a árvore num canto da sala... Era uma árvore diferente...Meio triste, sem os candelabros e a estrela-ponta...acendeu as luzes, que começaram a piscar, freneticamente... Apagou as luzes da sala... Sentou-se ao lado do telefone... Como se estivesse esperando uma ligação.... Abriu a garrafa de malte e serviu uma dose generosa, que sorveu de uma só vez... Serviu a segunda dose, e não se sabe lá quantas mais...Era meia-noite, quando o telefone tocou... Uma...Duas...três vezes...Hesitante, atendeu...Alô... Me chame o Alexandre, por favor...Aquí não tem  ninguém com esse nome...Desculpe...Desligou o fone, enquanto uma névoa penetrava na sala...Em meio a um estranho cheiro de carne torrada... Então...ergueu um brinde...Feliz Natal!

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Banca-boteco

Banca de Doutoramento...
Pescoço apertado pela gravata... Assunto árido... Na Presidência, um grande amigo... De muitas jornadas... Cara sério...Orientador de primeira... Na ponta direita, lado a lado, dois doutores jovens... Com a corda toda... (André e Marcelo)... Na ponta esquerda, um doutor, nem tão jovem, (Hélio)... Profissional e Professor dos bons...  Grande contador de histórias... E esse que vos escreve (deixem a idade prá lá...)... No centro, o Norba... Comandando a sessão... Que inicia pela ponta-direita... Gostei do tom... Vou ficando à vontade... Penso em como o tempo passa rápido... Vejo o Marcelo, Professor Doutor... E lembro que foi meu aluno de graduação... E as palavras vão fluindo... E vamos nos metendo... Uns, nas arguições dos outros... Deixa eu falar uma coisa... Já não tô mais em idade de aprender no estilo frequentar-curso-de-não-sei-o-que... E de repente... Me sinto aprendendo... A formalidade vai dando lugar a um papo descontraído e generoso...As horas passam sem a gente sentir... O pescoço já não tá tão incomodado pela gravata... Me lembro do meu tempo de mestrado... As apresentações montadas no boteco... Regadas a dúzias de brejas geladas... Ou era alí no Senzala... Ou então, no Rei das batidas... Que naquele tempo não era tão famoso e tinha um outro nome menos pomposo... Um dia desses eu conto que o primeiro nome do  Rei das batidas  foi "abre-cú"... Alí, entre o senzala e o abre-cú, discutíamos a Pós-Graduação... Rascunhavamos nossas aulas e apresentações... Os sonhos de mudança estavam todos, ainda, cheirando a novos, em seus cabides... Aprendí nesses botecos... Muito mais do que aprendí em alguns dos créditos que cursei... Mas, voltando à Banca... Foi a centésima-septuagésima-oitava arguição de que participei... E me lembro de poucas, que me possibilitaram aprender tanto como aprendí hoje, nessa...  Seguramente e sem nenhum medo de errar... Essa foi uma Banca-Boteco... Só faltaram as "brejas"...

sábado, 5 de dezembro de 2009

De amizades e patês...

Parece que te conheço há muito tempo... Ainda não consegui descobrir por que... Será pelo fato de que, te mostras, às vezes, como se tivesses vivido, já, muitos anos?... Ou, talvez... Pelos intensos relatos... Quadro-a-quadro... De filmes... Por tua alma projetados... Sem medo nenhum da platéia que te contempla... Ao mesmo tempo, percebo... Pelo frescor de tua juventude e dos traços firmes... Ainda sem rugas... Do teu rosto inquieto... Com que escancaras teus sentimentos... Que estás no início do teu caminho... Com avidez, abro a lata... Degusto cada pedaço... Sem receio de minha gula... Que, neste caso, não é capital-pecado, mas privilégio... Não se trata de um simples “foie gras”, mas de um fênix-patê... E logo ao sorver os últimos bocados... A lata ressurge... Fechada e plena de rico e generoso conteúdo... Garantindo a certeza... De novas degustações e aprendizados... Amizade-patê...